Você já ouviu falar em luto não autorizado"?
Esse é um processo de luto que não é legitimado socialmente, fazendo com que o enlutado não se sinta no direito de viver o luto ou sofrer a perda.
Nesse sentido apenas algumas situações se encaixam no "direito ao sofrimento" da perda, ficando os outros em um lugar de desvalorização da dor.
Algumas situações que se encaixam no luto não autorizado:
-Perda gestacional: é muito comum que as pessoas reajam com frases "não era pra ser", "na hora certa virá" ou "essas coisas acontecem". São falas que desvalorizam a dor e o sofrimento, colocando o acontecimento num lugar de normalidade que não condiz com o sofrimento.
-Perda de animal de estimação: chorar pela morte de algum animal de estimação não é bem visto, principalmente entre adultos. Muitas vezes o vínculo que se estabelece com um animal é muito significativo, mas o fato de não se tratar de um ser humano transfere essa perda a um lugar de insignificância, não merecendo ser sentida.
-Diagnóstico de adoecimento grave: um diagnóstico de adoecimento grave pode causar um processo de luto pela saúde e as possibilidades que não existirão mais. Normalmente relacionamos o luto apenas à morte e o adoecimento acaba caindo em um lugar de gratidão, comum em frases como "você deveria agradecer o tempo que ainda tem".
-Fim de relacionamento: o fim de um relacionamento causa muito sofrimento (na maioria das vezes), e algumas pessoas precisam elabora e ressignificar suas vidas após essa perda. Porém, não é socialmente aceito que esse sofrimento se assemelhe a um luto, o que faz com que as pessoas se sintam na "obrigação" de estar bem logo.
-Perda de emprego: a perda do trabalho pode afetar a vida e a saúde mental das pessoas significativamente. Ela pode representar a perda de muitas outras coisas para além do trabalho e se faz necessário elaborar essa nova realidade.
-Pais que recebem diagnóstico dos filhos (síndromes, transtornos ou deficiências): que os pais criam expectativas em relação à vida dos filhos não é novidade para ninguém. Quando acontece o diagnóstico de um filho, esses pais podem passar por um luto em vida, um luto pelas vivências que não poderão acontecer devido ao diagnóstico (muitas vezes essas vivências serão possíveis, mas de outra forma. Porém, nem sempre se consegue pensar nisso num primeiro momento, necessitando da elaboração da notícia para poder visualizar as possibilidades futuras com mais clareza e otimismo).
-Perda por suicídio: sendo o suicídio um assunto tabu, as pessoas evitam falar sobre a perda quando ela ocorre dessa forma. O não falar coloca o enlutado em um lugar de solidão e não validação do luto, não por ele não ser considerado uma perda, mas por ser um assunto polêmico, cheio de mitos e fantasias.
-Profissionais da saúde que perdem pacientes: como qualquer outra perda, a perda de pacientes também acarreta uma dor ao profissional. Porém, o fato de não ser uma pessoa próxima ou com vínculo afetivo, torna-se estranho às pessoas que o profissional passe por um luto diante dessa perda.
Em todos os casos citados há uma evitação do assunto, tornando o luto mais difícil de ser elaborado.
O não dizer sobre certas perdas invalida do sujeito o direito de sentir.
Precisamos validar e falar sobre a dor do luto, seja ele como for.
Somente quando reconhecemos nossa dor e nos autorizamos a falar dela é que conseguimos dar lugar para que ela se esgote.
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